Edileuza Penha – CARTA DE UMA AMIGA por Elen C. Geraldes
A fundação da Universidade de Brasília foi inspirada em uma utopia: a de que o conhecimento pode ser construído coletivamente, pode romper com muros e grades, e pode dialogar com saberes que estão fora do mundo acadêmico. Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro defendiam uma universidade transgressora, pulsante, criativa e, sobretudo, transformadora.
A UnB tem muito a ver com Brasília. Ambas nascem de um sonho e seu DNA é constituído pela integração e pela troca. Também têm em comum uma certa incompletude, a ideia de projeto inacabado, em permanente construção, contando com o protagonismo de quem as adota como casa.
Homenagear Edileuza Penha é honrar a vocação da UnB, a vocação de Brasília. Nascida no Espírito Santo, essa mulher negra trabalhou e estudou desde muito cedo. Para ler os livros que sempre apreciou, teve de perder horas de sono, dormir tarde, acordar cedo, diminuir o descanso nos fins de semana. E assim, nessa mescla de trabalho e estudo, concluiu a graduação em História na Universidade Federal do Espírito Santo, o mestrado em Educação na Universidade do Estado da Bahia e o doutorado, também em Educação, na UnB, em 2013.
A chegada em Brasília, para acompanhar o marido, no início dos anos 2000, coincidiu com o aprofundamento das pesquisas sobre cinema negro, a temática de sua tese de doutorado. Em busca de aprofundamento, foi aluna da Escola Internacional de Cinema, de Cuba. Metodologicamente, Edileuza rompia com o distanciamento entre pesquisadora e objeto de estudo, tão defendida em uma perspectiva positivista. Ela se assumiu uma estudiosa impregnada de seu objeto, o cinema negro realizado por mulheres negras de forma colaborativa e criativa. Nessa relação em que olhava para o objeto desde dentro – e não de fora, como costumam ser as pesquisas sobre a produção negra de cinema – consolidava-se como cineasta, diretora dos belíssimos documentários Mulheres de Barro e Filhas de Lavadeira.
Ao mesmo tempo, Edileuza Penha realizou várias consultorias para o MEC sobre educação das relações étnico-raciais e educação quilombola, dentre outros temas, atuando como pesquisadora e tutora. Sempre foi professora, sempre se sentiu instigada por questões ligadas ao ensino-aprendizagem e lecionou voluntariamente, por mais de 10 anos, as disciplinas de extensão da UnB “Pensamento negro contemporâneo” e “ Etnologia visual da imagem do negro no cinema”.
Ao lado dessa trajetória de muita produção intelectual, Edileuza criava uma família.Teve dois filhos biológicos, ajudou a criar os dois filhos do primeiro casamento do esposo, e adotou outros dois, entre eles um adulto. Sua presença calma e reflexiva sem dúvida teve muita influência no amor aos estudos que esses quatro rapazes e duas moças demonstraram.
Claro que não foi fácil. Edileuza almejava se tornar professora efetiva na universidade, o que ainda não aconteceu. Mas continua escrevendo artigos, dirigindo filmes e realizando cursos, ao lado da atividade remunerada como professora substituta do Instituto Federal de Brasília. O feijão e o sonho, ou o feijão com o sonho. Ama lecionar e inspirar jovens, sobretudo meninas negras, a afirmarem a própria voz.
Tive a honra de conhecer Edileuza em 2018. Fui sua supervisora de pós-doutoramento em um projeto sobre a recepção do filme Café com Canela. Mais do que uma relação professora-aluna, foi um encontro de mentes e corações, de visões de mundo. Sou uma professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília que sempre se preocupou com o acesso à informação e aos meios de comunicação, constituído por questões éticas, mas também por questões políticas e culturais. Eu pesquiso o que ela pratica.
Edileuza me inspira por suas temáticas de pesquisa em interlocução com sua vida, por falar sobre cinema em um lugar de fala tão fundamental e por nunca desistir. Como a UnB, como Brasília, ela representa um conhecimento que pode ser muito transgressor, ao romper com históricas relações de opressão, sem nunca perder a ternura.
Profa. Dra. Elen Cristina Geraldes – Faculdade de Comunicação, curso de Comunicação Organizacional, da Universidade de Brasília.