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Carta de um amigo – por Cristovam Buarque

Os sete Isaacs

Do primeiro Isaac lembro um diálogo no corredor do Minhocão Sul, por cima de onde ficava o Departamento de Biologia. Ele me deu a notícia do acidente na central nuclear de Chernobyl. Este é o Isaac cientista-humanista, capaz de entusiasmar-se com a beleza e a força da ciência, e ao mesmo tempo criticar o seu uso. Aprendi muito com Isaac sobre o papel da ciência e da engenharia, seu poder e seus riscos, não apenas na física nuclear, mas na biotecnologia.


O segundo Isaac é o cientista com consciência da importância da educação de base para o desenvolvimento de cada pessoa e da sociedade. A comunidade acadêmica considera que educação começa depois da aprovação no vestibular, que a universidade é o vetor do progresso e o diploma universitário é o passaporte para o futuro de cada pessoa. Não se preocupam nem se envolvem com a educação de base. A baixa qualidade da universidade é prova da importância da educação de base, e o atraso social e econômico do país é prova de que o ensino médio não está oferecendo educação razoável às pessoas que não seguem curso universitário.


Ao valorizar a educação de base, Isaac é uma exceção entre os universitários e cientistas. Ele demonstra isto intelectual e politicamente com seu envolvimento em defesa da educação de base com qualidade para todos, e pedagogicamente ao trazer alunos da educação de base para visitas ao seu laboratório no Departamento de Biologia.


O terceiro Isaac é o futurista. Ele tem uma preocupação constante e militante com o futuro do Brasil, da humanidade e da universidade. Sua militância em debates, estudos, propostas, têm o futuro como tema constante de suas reflexões.


Há um quarto Isaac, que pensa a universidade, seu papel, sua história, sua estrutura, suas dificuldades e as necessidades de transformá-la. Raros universitários têm preocupação com a entidade universitária em si. Não se interessam por sua história milenar, não sabem de sua origem, não conhecem a história da universidade latino-americana e brasileira. Os universitários não percebem que a revolução em marcha no mundo – globalização, limites ao crescimento econômico, teleinformática, esgotamento do Estado, inteligência artificial, ensino à distância, avanços radicais na ciência e provisionalidade das profissões – exigem reforma radical nos propósitos, nas estruturas e nos métodos da universidade. Diferentemente da quase totalidade da comunidade acadêmica, Isaac tem preocupação e envolvimento intelectual com a entidade universitária, sua história, sua crise e seu futuro.


Há um quinto Isaac: o bem humorado Roitman. O meu amigo Gilberto Dimenstein, dias antes de falecer, já sabendo que tinha poucos dias, me disse que se eu encontrasse um judeu sem senso de humor, mandasse tirar a roupa e vería que não era circuncidado. Isaac é a prova do bom humor judaico. Suas PDS – Piadas da Semana – chegam quase diariamente para uma rede ampla de amigos. Graças ao quinto Isaac, temos dias mais alegres graças às PDS e dias tristes salvos por elas.


Mas, além destes cinco, um sexto não menos importante: o Isaac solidário, sempre que necessário. Usando sua tolerância para manter sua amizade, mesmo quando discorda de uma ideia ou posição, e sempre que é necessário estar junto. Fui beneficiado por todos os cinco Isaacs anteriores, mas, muito especialmente, pelo sexto, quando uma terrível infecção no olho esquerdo parecia estar tirando minha vista na madrugada do ano novo; e ao consulta-lo e à Celina, como biólogos, ele não apenas deu o sábio conselho de ir imediatamente a um hospital e buscar um infectologista, não esperar o dia seguinte para ir a um oftalmologista.


Logo depois, não podendo ir pessoalmente ao hospital, se fez presente para me dar apoio por meio da Celina, que de certa forma é o sétimo Isaac.


Cristovam Buarque