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Eu, Madá da Ceilândia – por Cláudio Passos Oliveira

De Divinópolis pra cá, menina. O início foi duro, sabe? O arame farpado em volta da casa, o pó avermelhado nos lençóis. Ceilândia nascendo, retorcida, apesar de. Eu, a blusa rosa que mamãe deu, saia florida, o alfabeto já todinho dentro da cabeça. Minhocuçus gigantes se retorcendo, escavando as noites. Eu, criança negra, a pobreza em tudo, sol que escalda, chuva que alaga. Difícil. Fácil nunca fica, descobri. Mas teria a boniteza de Paulo Freire sempre comigo, graça infinda, luz no caminho. Assim. Só com mãos bem dadas pra gente seguir adiante, se não afunda. Não pode largar, nunca. Falta a água, a saúde, o lazer. Sobre a opressão, a hipocrisia. Que venham. A gente não desiste, dá aquela vontade, mas não. Estico os braços, quero mãos, todas, vamos. O povo vem, é bonito demais, sabe? Freire no coração, não sai. Aprender com adulto, com passado que pesa, a gente se aprendendo, ficando mais leve, assim, olho no olho… meu Deus, não tem explicação! Adulto sem alfabeto é peso morto, querem. Pra mim, não. Nunca. De jeito nenhum. A gente se olha, se vê, se enxerga, entrelaça sonhos. Caminha junto. As letras entrando, olhos, ouvidos, coração. Saindo imagem, semelhança de cada um. Tudinho lindo, tudinho nosso. Filme da vida vivida, nós lá, brilho. Em bloco, sem fresta. Libertação agora. Mas demora, sei. Paciência grande, pra regar. Vem câncer também, a vida é assim, esburacada. Seguimos. História a gente é que constrói, assenta, dia no dia. Tem presente não. Assim. Nosso pó, nossos lutos, nossa resistência. Nossas imensas felicidades.