Maria Madalena Torres – CARTA DE UMA AMIGA por Maria Margarida Machado
Madá da Ceilândia
É assim que eu me refiro a Madalena, todas as vezes que preciso apresentá-la a alguém ou indicá-la como referência da educação popular no Distrito Federal. Nos conhecemos em meados da década de 1980, quando ela já atuava como alfabetizadora em Círculos de Cultura na Ceilândia. Nossa militância em comum era vinculada à Igreja Católica, na Pastoral da Juventude do DF, onde as referências do método ver-julgar-agir e da Teologia da Libertação, nos inquietavam para ir em busca de ações concretas da opção preferencial pelos pobres. A educação popular, mais especificamente, a alfabetização de adultos foi esse lugar de inserção concreta.
Madalena compartilhava nas reuniões da PJ a experiência dos Círculos de Cultura da Ceilândia, que tinha origem num trabalho de pesquisa de mestrado de professoras da UnB, Laura Coutinho e Maria Luza Angelim, o que me fez perceber que ali estava uma pauta para uma ação concreta para nossa juventude do Gama. Passei a frequentar os Círculos de Cultura na Ceilândia para aprender com Madalena a alfabetização de adultos, baseada na Pedagogia de Paulo Freire. Sua generosidade formou inúmeros alfabetizadores do Gama, de Sobradinho, de Planaltina, da região do Entorno Sul do DF, de vários outros lugares no Estado de Goiás, em especial Goiânia e Aparecida de Goiânia. Há outras localidades, mas estas experiências tive o prazer de compartilhar com ela e agradeço imensamente o apoio que recebemos aos círculos de cultura que organizamos em Goiás.
Posso dizer que a relação de troca de saberes entre academia, pela via de professores e alunos da UnB, e lideranças populares, como Madalena, contribuíram de forma inconteste para ampliação do direito de acesso ao letramento de muitos jovens e adultos na Ceilândia, em todas as cidades por onde essa experiência dos Círculos de Cultura se irradiou. Mas, a contribuição não para por aí. Madalena com outros alfabetizadores e com apoio das ações extensionistas da UnB fundou, em 1989, o Centro Paulo Freire de Ceilândia (Cepafre), importante entidade popular que ampliou de forma significativa sua atuação de militância, incorporando às pautas da defesa da educação para todos e todas, a do direito a moradia, ao saneamento, a saúde, ao acesso à cultura e lazer, e tantas outras necessidades que eram básicas no contexto da Ceilândia, quando o Cepafre foi criado.
É importante também reconhecer a trajetória exitosa de formação e atuação acadêmica desta liderança da educação popular de Ceilândia. Sua graduação em filosofia e mestrado em educação contribuíram para consolidar sua compreensão e prática político-pedagógica, no âmbito do magistério na Educação Básica e Superior. De educadora popular, a professora na rede pública do DF e professora da UnB, em cursos especiais de Pedagogia. Seu engajamento ético-político em defesa da educação dos trabalhadores revela-se na sua participação como fundadora e/ou representante em diferentes espaços de diálogo e construção da política de educação do DF. Destaco entre eles o GTPA/Fórum EJA do DF, o Fórum Distrital de Educação do DF e Conselho
Comunitário no Conselho Universitário – CONSUNI/UnB.
De mestra a companheira de trabalho, a última oportunidade em que estivemos mais próximas foi na atuação militante em defesa da educação de jovens e adultos, no breve período em que retornei ao Distrito Federal, entre 2004 a 2006, quando compartilhamos a difícil tarefa de atuar na Coordenação Pedagógica do Departamento de Políticas de Educação de Jovens e Adultos, da Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação. Nossa experiência de alfabetizadoras populares, se misturavam às inquietações que trazíamos da atuação nas redes públicas de ensino e nas universidades onde atuamos. Esta passagem pelo
MEC, sem sombra de dúvidas, revelou a maturidade de Madalena na compreensão dos limites e das possibilidades daquilo que se buscou construir na política educacional voltada para jovens e adultos trabalhadores. Seu olhar e sua atuação que sempre foi a partir de Ceilândia, alcançou a dimensão do Distrito Federal e do Brasil. Por tudo isso, acredito que essa indicação de seu nome no projeto “Histórias cruzadas: a universidade e a cidade”, para ser uma das biografadas, vem num momento peculiar da história do nosso país. Madalena nos representa. É a garra da mulher negra, pobre e de periferia que não se submete aos imperativos de um sistema injusto e excludente, mas os enfrenta todos os dias, na própria existência e sobrevivência física, mas sobretudo na contestação dos seus fundamentos pela via da luta diária pela construção de uma outra sociabilidade.
Maria Margarida Machado – FE/UFG – Fórum Goiano de EJA