Mireya Suarez – CARTA DE UMA AMIGA por Mônica Nogueira
Cara professora,
Não creio que você se lembre de mim. Fui estudante do departamento de antropologia na década de 1990. Lamento não termos nos conhecido melhor naquela ocasião. Tenho uma vaga lembrança da reunião de um núcleo de estudos sobre os sertões, Norte e Nordeste, em que estivemos juntas. Eu era, então, assistente da professora Eurípedes Dias.
Anos depois, me beneficiei enormemente de seus escritos sobre os sertões. Pude apreciá-los e tramá-los aos meus próprios escritos sobre os Gerais. Mas essa é uma outra história. A carta hoje é para falar de nós, mulheres, outro dos seus muitos campos de interesse e em que suas contribuições foram sempre fundamentais.
Conto aqui, mui rapidamente, de nossos avanços e retrocessos. Como sabe, temos pela primeira vez uma reitora mulher na Universidade de Brasília, Márcia Abrahão. O que talvez você não saiba é que ela se candidatou à reeleição. Com 54% dos votos de nossa comunidade, ela luta agora para ser nomeada.
Voltamos a tempos difíceis, como sabe, desde o golpe contra Dilma. Não por acaso, contra ela. Desde então, a barbárie nos ronda e defender o óbvio tornou-se ofício de todas nós. São muitos os embates e as notícias do desmonte. A última, dói relatar: o caso da jovem Mari Ferrer.
Vítima duas vezes – senão mais -, essa jovem foi estuprada por um rapaz da elite catarinense e, há poucos dias, submetida ao flagelo público, sob o comando de um juiz, um promotor e o advogado de defesa (de seu algoz). Uma confraria de homens em posição de poder, contra uma jovem de 21 anos, bradando o velho argumento: a culpa é sempre da mulher! Mas agora deram ares de categoria jurídica a essa máxima misógina: estupro culposo. Um estupro sem intenção.
Muitas de nós mal podem dormir com essa, desde que foram postadas nas redes sociais as filmagens desse julgamento às avessas. Ardemos em indignação. Muitas já foram às ruas, outras escreveram manifestos, artigos de opinião, convocamos ao movimento: mexeu com uma, mexeu com todas!
Na UnB, seguimos também em afazeres de mudança. Com a reitora, há outras mulheres em posições importantes, decanas, diretoras. Vimos elaborando e implementando novas políticas na instituição, atentas aos desafios da maternidade, às tantas formas de assédio de que somos vítimas dia a dia, ao necessário combate à violência contra uma, contra todas, ao empoderamento de todas nós. Afinal, trata-se de estabelecer o “poder para” e o “poder com” que, como boas feministas, buscamos construir e experienciar.
Planejamos estabelecer, agora, um amplo fórum de interlocução entre nós, para integrar núcleos, projetos, mulheres estudantes, professoras e técnicas; também intersetorial: a instituição e as entidades de representação, DCE, ADUnB, Sintfub. Um espaço independente, agregador e propositivo. Sabemos que, nesses tempos, as universidades podem ser refúgio, espaço de re-existência e co-criação do novo, de tempos mulheres que virão – essa boa expressão que surgiu na cena pública recentemente.
Será bom poder contar com sua inspiração nesses tempos. O seu pensamento e exemplo nos guiam nessa jornada desde sempre. Sentimos sua presença, sua inquietude, que também é nossa. Bandeira que acena do alto, ao vento, sua força é guia.
Abraços, com carinho e admiração.
Mônica Nogueira